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Correio elegante II


D.,

Escrevo depois de ler tuas palavras sobre terras estrangeiras e amor e te digo, as terras que ando explorando dentro de mim são lindas. E floridas.

Desde a última vez que nos escrevemos, eu andava meio duvidosa de que seria possível ou não encontrar amos dentro de mim e você me lembrou que é bem possível sim. Li teu texto e automaticamente lembrei de “Dê um rolê” dos Novos Baianos em que eles dizem: “Eu não tenho nada e antes de você ser, eu sou (...) Eu sou amor da cabeça aos pés” E Sou. Sou muito amor, sou todo amor do mundo dentro de mim.

Amor não precisa de destinatário, porque amor é o próprio remetente. Esses dias andei meio que me amando. Lembro de um email que você me escreveu tem uns 4 anos, em que você dizia que botou o vestido mais bonito, pintou os lábios de vermelho e saiu em direção ao céu de Budapeste, livre e leve como sempre foi. Fiz isso por essas bandas amazônicas também: Chamei meu melhor amigo e fomos a um karaokê. Bebi, cantei, dancei, pulei. Cheguei em casa super cansada, mas tão, tão feliz que não me aguentava.

Outro email seu que li esses dias foi o que você dizia que havia enfrentado seus monstros, aberto a janela e espanado a casa, o quarto e que estava tudo limpo e organizado. Ainda não estou assim, mas estou caminhando para isso. Sei que estou indo em um bom rumo quando paro de sonhar com aquela pessoa que jamais pensei em parar de sonhar. Nada melhor que o homem dos seus sonhos estar fora dos seus sonhos de vez. Ver aquela foto e não sentir mais o coração palpitar, nem as mãos suarem. Sensação de liberdade mesmo, recomeço.

Nas últimas semanas estudei. Sentei em frente ao computador com umas três apostilas e me concentrei. Tudo ou nada. Última chance. Fiz a prova na última quinta e quando saí, com o braço cansado e mão toda suja de tinta de caneta, olhei para cima e vi que o céu parecia mais azul. Foi quando eu senti realmente que tinha recomeçado, apertado o Reset do meu Nintendo e voltado pra terra. Recomeçar. Seguir em frente e não olhar para trás. Essa é uma coisa que eu sei fazer muito bem. Pelos anos que nos conhecemos, acho que tu deves saber disso. Minha memória é excelente, infelizmente, mas isso não me impede em ser boa de recomeços.

Lembra do episódio de How I Met Your Mother que o Ted vai atrás da Stella com vontade de jogar toda a raiva dele na cara dela, dizer que ela tinha sido péssima com ele, mas no final ele só deixou pra lá? Foi o que eu fiz. “Se você acha que as únicas opções que vocês têm são descontar toda sua raiva em alguém ou engolir seus sentimentos sem enfrenta-los, existe ainda uma terceira: Você pode simplesmente deixar pra lá e só assim vão conseguir seguir em frente”. Deixa pra lá. Caminha aí que o caminho é longo, a estrada é esburacada, mas sem isso não teria graça nenhuma.

Obrigada por me recordar disso. Bom saber que sempre tenho você e que tenho a mim mesma. Se cuide, D., sinto sua falta. Falta da frequência com que nos falávamos em além-mar. O que acha de tomarmos uma xícara de café, eu, você, will e Eve? Seria tão bom.

Amor meu e seu.
Sempre sua,

L.

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