Dona
Cidália acordava todo dia as 7h da manhã, fazia o café de todo mundo e depois
ficava esperando a “moça que trabalhava lá em casa” chegar para poder contar
como tinha sido a novela e descobrir toda a vida da moça. Passavam horas
conversando, as vezes me acordavam de tanto ti-ti-ti na cozinha.
Dona
Cidália gostava de Elis Regina, Tim Maia e Charlie Chaplin. Gostava também de
Carlos Gardel e vez ou outra cantava um bolero pela casa. Toda quarta-feira
assistia futebol. Deus o livre perder o futebol de quarta-feira! O atacante do
time que ela estava torcendo contra entrava com a bola na grande área e ela já
gritava antes mesmo da finalização: “pra fora, pra fora, pra fora!” E como se
estivessem a ouvindo, a bola obedecia e ia pra fora. “Dá má sorte gritar gol
antes da bola entrar”, dizia me olhando e mexendo os polegares em círculos. As
vezes torcia para o Botafogo, mas sempre torcia para o Vasco.
Dona
Cidália tinha mania de comer castanha-do-pará quebrada atrás da porta da
cozinha. Foram inúmeras castanhas ao longo dos seus 88 anos. Comia também
camarão com açaí e os escondia debaixo do prato. Sujava toda a roupa de roxo da
fruta e dizia que não tinha tomado açaí, só havia provado um pouquinho para
matar a vontade. No Natal, variava a origem das castanhas. Trocava as Paraenses
pelas portuguesas porque tinham gosto de infância. Detestava o Papai Noel. Se
visse um papai noel pela casa, mandava tirar imediatamente da decoração. No
círio, reunia toda a família para comer maniçoba, chamava os vizinhos, os
filhos dos vizinhos, os amigos dos filhos dos vizinhos e quem mais chegasse, a
casa sempre cabia mais gente.
Dona
Cidália era louca por jogo do bicho. Sonhava em estourar a cabeça do elefante.
Me ensinou que Coelho é 10, Águia 1 e vaca 25. Quando ganhava, me pedia um
favor e dizia que quando recebesse o dinheiro do prêmio, ela me daria para eu
comprar um livro. Sabia meu ponto fraco, não resisto a um livro. Me pagava?
Não, mas eu também não cobrava. Ajudei muitas vezes a esconder alguns fatos,
não menti, apenas omiti algumas coisas (algumas coisas bem grandes, outras bem
pequenas. Tipo quando o dinheiro do gás sumia, misteriosamente, da casa e ia
parar nos 5 prêmios). Teve um gato, do nome do seu ídolo, Tim Maia que morou
com ela no bairro Jurunas. Depois teve o Brad Pitt, que não desgrudava dela um
segundo, e dormia, inclusive, debaixo da rede.
Mas
entre todos os amores de Dona Cidália, a Lua era seu maior. Uma amiga distante,
que a cada 7 dias mudava de fase e a cada 7 dias ela me perguntava onde estava
a lua e como estava. Ficava horas no quintal de cabeça erguida para o céu, as
vezes até doer o pescoço. Sabia cada fase, cada noite, cada detalhe, cada
sombra que a lua fazia no chão. Me ensinou que ela começava nova, crescia,
ficava cheia e depois minguava, pronta para um novo ciclo e de novo, e de novo
e de novo. Ciclos. Fechou muitos ciclos, abriu tantos outros, me acompanhou em
todos, até que numa noite de Junho resolveu que era hora de conhecer sua grande
amiga distante e foi pra junto dela.
Dona
Cidália é a melhor avó do mundo. Porque além das mães, querido Drummond, as
avós também são para sempre.
Eu adorei a tua crônica,parabéns.
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