Duas
da Manhã de uma segunda-feira pós eleições. O Brasil desmoronando na cabeça das
pessoas. Inúmeras incertezas, preocupações e medo do que nos espera no futuro.
Só tem uma pessoa que aparentemente não está nem aí para nada disso: Meu
vizinho que está ouvindo “Palavras” do Marcelo Wall, sentado no pátio da sua
casa bebendo sua cerveja e sentindo um cheiro de maniçoba exalando de toda a
rua e me lembrando que: É círio, Belém!
Observo
meu vizinho nessa madrugada sentado na cadeira branca de plástico, uma lata de
Cerpa na mão e o radinho ecoando a batida do brega que entra pela meia janela
aberta da minha sala. Na porta de entrada da casa dele, dá para ver um cartaz
do círio colado pronto para saudar quem chegar, na porta da minha casa também
tem e me dou conta que todas as casas da minha rua estão com o cartaz da
santinha, seja na porta ou na parede, mas sem exceção, ela está lá.
Um
dia, já faz tempo, estava indo para o centro da cidade em um ônibus parado num
engarrafamento enorme na Almirante Barroso, quando alguém que estava sentado na
janela gritou para todos ouvirem: “Olha, é ela!”. Qualquer pessoa que fosse de
fora não entenderia quem era “ela”, mas naquele Pedreira-Lomas todos sabiam que
era Nazinha. Sem pensar duas vezes, correram para o lado que ela estava,
cantando “Vóis sois o lírio mimoso”, com a mão no peito, olhos marejados e uma
reza no coração. Vi pessoas erguendo a mão em direção a santa e foi quando me
dei conta do quão agradecida eu sou por ter nascido no Pará. Após passarmos
pela pequena procissão que se seguia, todos no ônibus desejaram feliz círio uns
aos outros, como se fosse um feliz natal e para nós é.
No
Círio, a cidade muda completamente. Trocamos presentes, compramos roupa nova,
enfeitamos o cabelo, amarramos as fitas coloridas no braço e seguimos para a
cidade velha acompanhar Nossa Senhora de Nazaré passar para todos e todas. Tem
a homenagem dos estivadores, dos artistas no auto do círio, das drag queens na festa da Chiquita. De
pais com seus filhos vestidos de anjo durante a procissão de domingo. Homenagem
dos ribeirinhos, motoqueiros, jovens, crianças e quem mais quiser comemorar já
que ela não rejeita ninguém.
Nazinha
está para chegar. A maniçoba está fervendo a uma semana no fogão, o tucupi e o
Jambu estão só esperando o pato chegar para poder ser degustado por tantas
pessoas que passarem por casa. Nada mais paraense que o círio e nem adianta eu
tentar escrever e descrever o que é porque ninguém consegue. Qualquer um que
pergunte a um papa-chibé o que é o círio ele vai responder: “Não dá pra
explicar, tem que ir ver” porque é tanta coisa junta que só quem vê, sente e
ouve sabe como é. Clichê dizer isso, mas puramente verdade.
Esse
ano vai ser difícil. A situação está bem complicada para todo mundo, não só para
mim nem só para você, tem mais de 100 milhões de brasileiros que estão sofrendo
e pensando na política do país. Mas, essa semana, eu escolho ser meu vizinho
que bebe sua cerveja despreocupado, ouvindo seu radinho e imaginando que a
Maniçoba vai estar maravilhosa para quem aparecer no natal no próximo domingo.
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