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Tinha um salto alto no meio do caminho


Eu sempre usei Tênis ou sapatilha. Nunca tinha usado um salto alto até aquele dia, o primeiro do curso de jornalismo.

Deu-se que: Minha mãe pediu para eu ir arrumada para a universidade porque depois iriamos almoçar na casa de uma amiga dela, riquíssima acredito eu, e que eu não fosse vestida como sempre me vestia: Tênis, camiseta e calça jeans. Foi então que coloquei um vestido branco e um sapato de salto da mamãe – diferente da Cinderela que não calça o mesmo pé que ninguém do reino – eu e dona Márcia calçamos iguais. Para você ver que nem sapato de salto eu tinha.

Não sou a pessoa mais concentrada do mundo e acredito que muita gente que me conhece já percebeu isso. Quando tinha dois anos, quebrei um braço. Aos quatro, meu primo estourou meu dedinho na porta do Chevette do meu pai. Aos oito, fui dar um 360° na rede e quebrei o queixo. Minha sorte é minha (fada) madrinha ser enfermeira e eu sempre recorrer primeiro a ela. Aliás, minha sorte é ter na minha família tio médico e tia enfermeira, porque com meu nível de desastre, com certeza já não estaria mais nesse mundo. Vai ver por isso minha avó queria que eu fizesse medicina, mas ainda bem que não fiz. Tropeço no meu próprio pé, imagine se outra vida dependesse da minha?

Seguiu-se a manhã entre aulas de teoria do jornalismo e filosofia. Português e redação. Algumas introduções a matérias que foram meu pesadelo durante o curso e eu lá, de vestido branco e salto alto, já não aguentando de dor nas pernas e de ter que manter minha aparência de princesa por um dia. Eu sempre fui uma menina bem moleque. Brincava na rua, corria até ficar com os cabelos pesados de suor, sempre andei descalça (ainda ando), era de conhecimento meu que alguma coisa daria errado naquele dia.

Intervalo.

Estava em território até então desconhecido, com graus de miopia e astigmatismo, conversando com alguém no meu celular que nem lembro quem era. Não é questão de eu ser desastrada. Imagina se a maçã não tivesse caído na cabeça de Newton? Ele não ficaria tentado a descobrir a gravidade. E se Eva não tivesse falado com estranhos? Tudo isso leva ao sentimento que me move quase diariamente: a curiosidade. Minha avó dizia que “a curiosidade matou o gato” e por pouco não me matou também. Pensei: E se eu descesse a escada mexendo no celular? Péssima ideia, mas curiosa.

Ia descendo a escada de braços dados com uma das poucas pessoas que já tinha feito amizade aquela altura do curso e esqueci completamente do que eu estava usando. Quando senti, por entre as brechas dos degraus, meu salto travar o passo. Fui, literalmente, escada abaixo.

Uma cena de queda belíssima. Deixaria qualquer dublê de Hollywood com inveja. Um degrau, dois, três, dez. Até minha cara encontrar com o chão, no hall da universidade onde uma moça conversava no telefone. Única coisa que lembro foi de ouvir um grito: “MEU DEUS, A MOÇA CAIU!”. Nessa época ainda usava aparelho e para você que já usou, ou que teve a sorte de não usar, qualquer mínimo baque na boca, é uma dor que dá tempo de contar todos os corpos celestes do universo.

No topo da escada, risos descontrolados até perceberem que eu realmente estava mal. No chão, com a calcinha amostra para toda a turma de jornalismo de 2012. Foram quatro para me carregar: Alex, João Daniel, João Dias e Hermes, dois seguraram pelos braços e dois pelas pernas. Me levaram para a enfermaria, com um corte na perna, minha boca com uma dor absurda e meus joelhos, ah meus queridos joelhos, quase inexistentes.

Por anos fiquei conhecida na Universidade como “a menina que caiu da escada”. Encontravam minha mãe no corredor e falavam logo para ela: “Soube que tua filha caiu da escada, como ela tá?”, torci os dois joelhos, reclamo de dores até hoje. Voltei a enfermaria mais 4 vezes ao longo do curso. Vez ou outra ligavam para minha casa porque tinha me batido em alguma quina de mesa e estava com a perna roxa. Ou quando eu roía unha e inflamava o canto.

Como vocês imaginam, não fui para o almoço chique. Fui para casa descalça, atravessando a BR no sol de meio dia de Belém do Pará. O lado bom de tudo isso foi que: Graças a essa queda, virei amiga dos meus melhores amigos da universidade. Quando você conhece uma pessoa que, literalmente, lhe ajudou a levantar, você quer ser amiga dela para sempre.

E eu nunca mais usei um salto alto para assistir aula. Não tem necessidade nenhuma.

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